Reflexão da semana 18 e 19/4

A chuva continua. Um aguaceiro. Entro. Fecho o guarda-chuva. Escolho uma cadeira próxima à janela. Conseguem ver daqui? As poças dançam de lugar com a passagem dos carros. Estão em guerra. Dançam impetuosas, ritmadas. Em trânsito, atravessam, para lá e para cá. Eu aqui, em solidão, e as poças dançando num lamento. Carregam meus pensamentos, desmancham-se. A não-existência. A morte em contraposição à vida. Meus pensamentos dançam. “Poderia ser Frankie. Poderia ser um balão. Poderia ser fresco e limpo. Poderia ser.” Poderia ser qualquer coisa. Um desenho na caverna, um desejo de dizer qualquer coisa. Talvez qualquer coisa me alcance.
Talvez ele não venha.

Algo me atravessa, um fluxo de ideias que me deslocam no sentido da experiência. Estou agora aqui sentado em um café à espera do outro, daquele outro ser, impactado pela mesma experiência que é tão singular e ao mesmo tempo tão coletiva como um ritual, desdobrando-se dentro de nossos corpos sensíveis.

“A ideia do infinito não pode ser expressada por palavras ou mesmo descrita, mas pode ser apreendida através da arte, que torna o infinito tangível.” – Tarkovski.
Pode o homem conceber o infinito? Pode conhecer o infinito além de si? O infinito termina logo ali. E continua. Entre um e outro, um abismo. Entre meu infinito e o do outro, um abismo. Uma busca incessante em se comunicar. Uma busca incessante em alcançar o outro. “Além disso, a grande função da arte é a comunicação, uma vez que o entendimento mútuo é uma força a unir as pessoas, e o espírito de comunhão é um dos mais importantes aspectos da criação artística”. – Tarkovski
Será que ele ainda vem? Deixo o meu ser. Esvazio.

O que ficou gravado na carne desse outro ser? Algo como o que ficou na minha? Corpo e mente não se separam, aquilo que aconteceu uma semana atrás ainda vive no corpo de hoje. Criamos nosso inconsciente coletivo e os meus pensamentos já não são apenas meus, mas também de todos aqueles que fizeram essa travessia comigo.

“Eu sou uma garrafa no mar.”
Ele chega.
Ela chega.
Silêncio.

– Café?

“9 anos, 9 mil anos, 9 milhões de anos” e sete dias. Em algum momento, nos desprendemos, e quanto tempo depois, algo vem a fazer sentido? “O ator dá o inconsciente do universo no seu trabalho” – Antunes Filho. Quanto tempo leva para uma semente germinar? Um bom filme, Buñuel, Tarkovski, uma música, uma obra de arte. Em quanto tempo nos apossamos dela? Quando, em estado de porosidade, deixamos a percepção tomar conta? Não há como passar ileso a esse processo. Vamos afinando, criando outras formas de construir uma comunicação entre nós. Entre nós, um abismo. O que reverbera além de nós no encontro? Qual a terceira coisa? Em nossa sensação, independe de tempo – espaço. Podemos estar em comunhão apenas por partilhar as mesmas ideias.
“A arte só pode oferecer alimento — um impulso, um pretexto para a experiência espiritual” – Tarkovski. Com o que você tem se alimentado? Qual pretexto você tem usado para chegar numa experiência espiritual? Essa experiência espiritual alcançada é verdadeira? O que é verdadeiro? Tarkovski não responderia de pronto, diria que essa verdade se oculta de nós. Diria que a arte nos prepara para a morte. Talvez em 9 milhões de anos você tome consciência e vibre, exclamando – Ah! Achei!