Reflexão da semana 14 e 15/3

A poética do Ator – NAC – Reflexão da Semana 14 e 15/3

por Murilo Bueno e Pamella Martelli

“Muita informação estraga o poeta. Muita informação, acumulada dentro do ser humano, restringe essas transvisões que a gente tem.” — Manoel de Barros

O atual momento em que vivemos no planeta exige uma transformação. Não é mais possível fazer teatro da mesma forma depois da experiência radical da pandemia, precisamos nos reinventar como seres humanos sensíveis, o que automaticamente nos transformará como artistas também. Inclusive, não deveríamos separar o “artista” do “ser humano”, é tudo uma coisa só.

Para sermos artistas melhores, precisamos nos tornar seres humanos melhores, refinar nossas sensibilidades. Para isso, o primeiro passo é na verdade dar um passo atrás. É ter a humildade de desaprender. É se abrir, se vulnerabilizar, se afastar e perceber seus próprios condicionamentos.

Essa capacidade de esvaziamento sensibiliza nosso olhar. E pra quem tem o olhar sensível, qualquer ser humano, qualquer experiência, é uma referência incrível. Como disse Caca Carvalho em sua Masterclass no NAC, “Todo mundo é rico, todo mundo é profundo, todo mundo é um poço inesgotável de maravilha.” A poesia está também no olhar de quem vê.

Mas afinal o que é um artista? Como diz Lee Taylor, “qualquer um pode ser ator/atriz, mas ser artista é outra história.” Para ser artista é preciso ter algo a dizer, é preciso ter um ponto de vista autêntico e relevante para o mundo. É preciso romper paradigmas do seu próprio tempo.

Quando analisamos referências como Café Müller de Pina Bausch ou A Mesa Verde de Kurt Jooss por exemplo, é nítido que estamos diante de obras de artistas que transcenderam a cópia, o mecânico, o exibicionismo e criaram algo singular, único e autêntico. Esses artistas alcançaram o estado de competência inconsciente, onde deixam de “fazer” arte e passam a “ser” arte. É justamente nesse momento, nesse estágio, que entra o prazer.

Mas para chegar nesse estágio é preciso criar as condições necessárias. E como se cria condições? Mudando hábitos, cultivando a auto-observação, estabelecendo importâncias, desaprendendo o possível para que novos músculos sejam exercitados e novas possibilidades artísticas sejam vislumbradas. No fim, o resultado em si talvez seja o menos importante, pois o processo em si já nos transformará e sem dúvida ampliará nossa visão de mundo.

“O ator deve ser um observador não só em cena, mas também na vida real. Deve concentrar-se, com todo o ser, em tudo que lhe chame a atenção. Deve olhar para um objeto não como qualquer transeunte distraído, mas penetrantemente. De outro modo, todo o seu método criador será descalibrado, não terá relação alguma com a vida.” — Constantin Stanislavski

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