Reflexão da semana 04 e 05/4

Pessoal, compartilho aqui como provocação a transcrição de alguns trechos do ensaio \”Contra a Interpretação\”, de Susan Sontag. Acredito que muito do que ela expõe como crítica à maneira de buscar conteúdo, apresentação da forma, percepção da obra de arte, vai de encontro ao tema que temos abordado nos encontros e referências.

” Ninguém jamais conseguirá reencontrar aquela inocência anterior a toda teoria, quando a arte não precisava justificar a si mesma, quando não se perguntava o que uma obra de arte dizia, porque se sabia (ou se pensava saber) o que ela fazia. (…)

O que o excesso de ênfase na ideia de conteúdo acarreta é o perpétuo e sempre inconcluso projeto de interpretação. E é o hábito de abordar as obras de arte a fim de interpretá-las que, reciprocamente, sustenta a fantasia de que de fato exista algo que seja o conteúdo de uma obra de arte. (…)

Aplicada à arte, a interpretação significa retirar um conjunto de elementos (X, Y, Z, e assim por diante) da obra como um todo. A tarefa de interpretação é praticamente uma tarefa de tradução. O intérprete diz: Olhe, você não vê que X na realidade é — ou na realidade significa — A? Que Y na realidade é B? Que Z na realidade é C? (…)

Interpretar é empobrecer, esvaziar o mundo – para erguer um mundo paralelo de “sentidos”. É converter o mundo neste mundo. (este mundo”! Como se houvesse outro.) (…)

Em muitos casos modernos, a interpretação consiste na recusa filistina de deixar a obra de arte em paz. A verdadeira arte tem a capacidade de nos enervar. Ao reduzir a obra de arte a seu conteúdo e então interpretá-lo, doma-se a obra de arte. A interpretação torna a arte dócil, submissa. (…)

O caso é que esse tipo de interpretação sempre indica uma insatisfação (consciente ou inconsciente) com a obra, um desejo de substituí-la por outra coisa.
A interpretação, baseada na teoria altamente duvidosa de que uma obra de arte é composta de elementos de conteúdo, violenta a arte. Converte a arte num artigo de uso, passível de inclusão em um esquema mental de categorias. (…)

A transparência é o valor mais alto e mais libertador na arte – e na crítica – de hoje. Transparência significa sentir a luminosidade da coisa em si, das coisas sendo o que são. (…)

A interpretação dá por assente a experiência sensorial da obra de arte, e parte daí. Hoje ela não pode ser dada por assente. Pense-se na imensa quantidade de obras de arte disponíveis a cada um de nós, que se soma à imensa quantidade de gostos, cheiros e imagens conflitantes no ambiente urbano que bombardeiam nossos sentidos. Nossa cultura se baseia no excesso, na superprodução; o resultado é uma perda constante no grau de agudeza de nossa experiência sensorial. Todas as condições da vida moderna – sua abundância material, seu puro e simples abarrotamento – se somam para embotar nossas faculdades sensoriais. (…)

O importante agora é recuperar nossos sentidos. Precisamos aprender a ver mais, a ouvir mais, a sentir mais.
Nossa tarefa não é descobrir o máximo de conteúdo numa obra de arte, muito menos extrair da obra mais conteúdo do que já está ali. Nossa tarefa é reduzir o conteúdo, para podermos ver a coisa. (…)

Em vez de hermenêutica, precisamos de uma erótica da arte.”