Reflexão da semana 04 e 05/4

Reflexão da semana 04 e 05/4 – Autoria Leonardo e Vandressa

Essa reflexão se inicia te fazendo um pedido.
Pare, respire e se pergunte se você está realmente aqui.
Quando digo aqui, não quero te levar pra nenhum lugar subjetivo, e sim aqui, nessa leitura.
Há muito tempo é dito sobre a importância do tempo para algumas coisas, não somente esse cronológico e inventado para a sociedade poder funcionar, mas também o tempo das coisas, o tempo que se demanda, que é preciso esforço para fazê-lo presente. Assistir a uma peça, ouvir uma música, ler um livro (ou mesmo um texto pequeno como este) sem estar presente, inviabiliza que a experiência ocorra.
Pedimos então que você o construa agora, para poder refletir conosco.

Primeiramente, é necessário dizer que as palavras que aqui se põe estão sendo redigidas por duas pessoas, mas que se moldam a fim de refletir o que muitas pensam e partilham, pensando nisso, é necessário saber que nem sempre o que se escreve aqui será exatamente o que se passou e sentiu por cada pessoa que vivenciou o encontro.

“Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras.“ – Jorge Larrosa Bondìa

De certa forma, o exercício da construção, em dupla, de uma REFLEXÃO forjada pelo encontro de um coletivo muito mais amplo, pode remontar, num microcosmos, parte do papel do artista. Explicamos:
– É necessário que o artista se esvazie do que pensa ser e daquilo que julga do mundo enquanto indivíduo, para que estando ele vazio, dissolvido em comunhão com o todo e, portanto, em estado de plenitude, ele então esteja permeável a experimentar, a se sensibilizar e a se afetar com a existência do outro, se afetar com aquilo que já está;
– Nesse sujeito da passividade mora o “outroconhecimento”, que lhe oferecerá condições e disponibilidade de conceber sua obra, perseguindo sua grande função, a COMUNICAÇÃO.

Ao despirmos-nos de pensamentos autocentrados e ao buscarmos percorrer a elaboração do grupo, na porosidade de ser e não ser ao mesmo tempo, tentamos comunicar a quem quer se encontre com este texto, o recorte que nos pareceu mais apropriado para retratar nossa convergência uns com os outros.

Nessa citação de Raymond Williams, mora uma boa explicação para o objetivo da ARTE comprometer-se, profundamente e essencialmente, com a comunicação: “A crise humana é sempre uma crise de compreensão: só podemos fazer o que genuinamente compreendemos.[…] Há ideias e modos de pensar que têm neles as sementes da vida, e há outros, talvez na profundeza de nossas mentes, que têm as sementes de uma morte geral. A medida de nosso sucesso em reconhecer esses dois tipos e em dar-lhes nomes, possibilitando assim seu reconhecimento coletivo, pode literalmente ser a medida de nosso futuro”. E dela também podemos trazer o zelo empregado na escolha de cada PALAVRA colocada nessas linhas.

Sendo por meio de hipóteses que esse pensamento vem sendo organizado, reflita que tipo de desdobramento poderia advir, no caso de ao retomarmos a experiência de termos assistido a ópera “Einstein on the Beach” de Bob Wilson e Philip Glass, utilizássemos a palavra “consumido” no lugar de “assistido”. Não cabe, tampouco faz sentido, que uma obra de arte seja comparada a um bem produzido com lógica utilitarista, com limites de serventia e durabilidade. A obra de arte tem razão de ser quando se aproxima do indizível, do inexplicável, quando causa a sensação de viver o extraordinário, na forma mais pura do termo, aquilo lhe afasta do conhecido, do comum, que te coloca em frente ao estranhamento, à falta de identificação. Numa imagem trazida por Tarkovsky, em “Esculpir o Tempo”, entendemos que a obra do artista é anterior à coisa em si, é o seu propósito, algo que sempre esteve ali dentro, sendo amadurecido tal qual um fruto, que em determinado momento exige ser colocado para fora, exige se expressar, eis o momento do parto.

Voltando à ópera de Bob e Glass, colocar-se à disposição de vivenciá-la, significa adentrar num universo fechado em si, de perceber-se completamente imerso numa nova lógica que acaba de ser apresentada. A genialidade e generosidade dos artistas, por meio da conjunção e afinamento de todos seus componentes (trilha, canto, luz, cenário, figurino, corpos, movimentos, pausas, cada detalhe) conduzem o espectador ao limite do envolvimento. Em “Eistein” recebemos referenciais e representações do tempo, nos condicionando um novo e maior intervalo para o desenvolvimento das ações (conhecidas ou novas), com muitas repetições, algo que convida a degustar aquela nova realidade de ritmo. Há também uma camada nova não lógica do uso das palavras, surgindo por vezes como sons, em repetições contínuas e uso não linear do que se tem ao padrão comum.

Toda a obra e os apontamentos citados no encontro nos levam a refletir sobre como temos usado esses dois elementos aqui levantados (tempo e palavras) e quais as consequências atuais da não reflexão e possíveis percepções sobre os mesmos.

Os dias atuais trazem a tona o que chamamos (quem escreve essa reflexão) de “Doenças do tempo”, que não se tratam apenas do fato de serem doenças/síndromes que têm assolado o nosso tempo atual, mas também doenças/síndromes que são “causadas” pela não vivência do tempo atual, pela falta de tempo ou mesmo o acelerar desse tempo das coisas. Essa relação conturbada com o tempo faz com que as pessoas se distanciem delas mesmas. Essas “Doenças do tempo” fazem com que o indivíduo perca a ação, perca o sentir, perca o estar presente, que é uma ferramenta importantíssima para o ser humano e para o artista criador. Esse artista que pode ser o detentor da cura para essa doença através da atenção do estar presente, do estar no caminho, de estar aberto para a experiência e sobretudo estar no – tempo – presente. “Só a arte tem a capacidade de fazer com que o ser humano ressignifique, recrie, crie, sinta, perceba” (Hércules, também no encontro), enquanto a medicina só pode oferecer cuidado paliativo a esse paciente, a arte pode oferecer cura.

“A percepção traz a qualidade da espontaneidade e simultaneidade, é a resposta “natural” ao mundo que nos cerca, a toda a vida, às estações e a todos os processos cíclicos e rítmicos de ser e de vir a ser.” J. C. Cooper

A percepção é um estado pessoal, longe do ego próprio e da expectativa de qualquer coisa que possa acontecer, podemos dizer que ela busca um certo esvaziamento, um caminho entre, um lugar que não está nem pensando no que foi nem no que pode ser. Ao buscar esse “esvaziamento”, podemos chegar na busca do essencial em nós – “Torna-te quem tu és” – mas sem subjetivação, sem a busca em quem você acha que é, pode ser ou quem alguém espera que você seja, não. Simplesmente seja aquilo que você já é, ou/e como mencionado no encontro, voltar-se para a natureza, ser poeira cósmica.

Diante da grandiosidade desse PAPEL que aspiramos desempenhar, com a terra já arada, como encontrar o momento do parto do fruto?